"Se nada nos salva da morte, que o amor nos salve da vida."

sábado, 28 de maio de 2016

Eu não amo você

Eu amei aquele beijo roubado no meio da chuva que você não me deu, amei aquela ligação no meio da madrugada que não chegou e aquele buquê de flores da floricultura que abriu aqui na esquina e você não comprou. Eu quase amei aquele dia em que você podia ter pedido pr'eu ficar um pouco mais, mas não pediu. E eu só não amei porquê doeu, aquela indiferença toda, sabe? Aquilo matou um pouco do que eu sentia. Eu disse que precisava ir porque estava ficando tarde e você se despediu com tanta presa que não teve tempo pra perceber o quanto eu ainda queria o seu corpo no meu.

Amei cada declaração que você não fez, cada almoço em família que você não foi, cada estreia de filme que você não me convidou pra assistir. Amei cada taça de sundae que a gente não dividiu, cada jogo do seu time que você não me chamou pra ver e cada festa que a gente não foi junto. Amei aquele jantar romântico que a gente não teve,aquela tarde no parque que não aconteceu e as fotos que você não quis tirar. Quase amei aquele dia em que sua mãe chegou de repente e estávamos só nós dois rindo das nossas diferenças e ela quis saber quem eu era, e você respondeu que era só uma grande amiga. Grande amiga? Você nem percebeu que o quanto meu sorriso mudou, ficou meio caído, sem graça, daquele jeito que fica quando a gente quer, desesperadamente, chorar. E eu cheguei em casa vomitando uma tempestade pelos olhos. Naquele dia eu quase amei você. Quase quis passar o resto da minha vida ao seu lado. Quase.

Eu amei, muito, todos os aniversários de namoro que a gente não teve, todas as viagens que a gente não fez, todos os poemas que você não me escreveu. Amei aqueles seus beijos que não calaram os gritos que eu não dei. Aquele pra sempre que você nunca disse. Aquele eu te amo perdido no que a gente quase foi. Quase amor. Amei aquilo tudo que você quase fez. Eu amei todas as lembranças de um passado que não existiu. De um futuro que não chegou. De um presente que eu sonhei. Amei tudo aquilo que você estragou, sem querer ou propositalmente. Eu amei uma história que não aconteceu, um cara que não é de verdade. O que a gente quase se tornou. Amei um romance que quase virou realidade, que quase foi best-seller, mas que não saiu da estante imaginária do meu coração.

Eu não amo você. Nunca amei. Eu amo aquilo tudo que a gente podia ter sido, e você não deixou.

                                                                                           Escrito por Gabriela Freitas 

Aprenda a respeitar




quarta-feira, 18 de maio de 2016

O Teu Riso

Tira-me o pão, se quiseres, 
tira-me o ar, mas 
não me tires o teu riso. 

Não me tires a rosa, 
a flor de espiga que desfias, 
a água que de súbito 
jorra na tua alegria, 
a repentina onda 
de prata que em ti nasce. 

A minha luta é dura e regresso 
por vezes com os olhos 
cansados de terem visto 
a terra que não muda, 
mas quando o teu riso entra 
sobe ao céu à minha procura 
e abre-me todas 
as portas da vida. 

Meu amor, na hora 
mais obscura desfia 
o teu riso, e se de súbito 
vires que o meu sangue mancha 
as pedras da rua, 
ri, porque o teu riso será para as minhas mãos 
como uma espada fresca. 

Perto do mar no outono, 
o teu riso deve erguer 
a sua cascata de espuma, 
e na primavera, amor, 
quero o teu riso como 
a flor que eu esperava, 
a flor azul, a rosa 
da minha pátria sonora. 

Ri-te da noite, 
do dia, da lua, 
ri-te das ruas 
curvas da ilha, 
ri-te deste rapaz 
desajeitado que te ama, 
mas quando abro 
os olhos e os fecho, 
quando os meus passos se forem, 
quando os meus passos voltarem, 
nega-me o pão, o ar, 
a luz, a primavera, 
mas o teu riso nunca 
porque sem ele morreria. 

Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda 

sábado, 14 de maio de 2016